RELATO DE UM SUICIDA
Que estas linhas possam
chegar às mãos de todos aqueles que desesperados se encontram e que eles saibam
que deste lado do horizonte existe alguém que todos os dias pede a Deus muita
paz e muito amor para todos os seus irmãos.
MESMO DESILUDIDOS, É
PRECISO VIVER!!!!
NO HOSPITAL DE MARIA, NO PLANO ESPIRITUAL.
Não existe olhar mais tristonho que o de
remorsos, e por ali era só o que víamos. Aproximei-me de uma jovem que se havia
atirado do alto de um edifício. Ela caminhava devagar; observando-a, pareceu-me
estranha: era como se ela fosse de porcelana e houvesse trincado. Nas partes em
que sofrera fratura no corpo físico, apresentava ainda dificuldade de
movimentos.
Sorri. Meio envergonhado, retribuiu-me o
sorriso, iniciando a conversação:
- És suicida?
- Não, não sou. Aqui me encontro em
estudo.
Com triste expressão, falou:
- Deve ser muito bom vir até aqui na condição
de estudante.
- Por que se suicidou?
- Fui abandonada pelo namorado e julguei que
sem ele não suportaria viver.
- Irmã, há quanto tempo isso aconteceu?
- Há dez anos. O remorso me corrói o espírito.
Muitas vezes me apalpo, procurando em mim algo que possa interromper a vida.
Parece-me que desde aquele terrível dia jamais minha mente cessou de trabalhar;
é um desespero constante. Por mais que eu receba ajuda, sinto-me consciente a
cada momento do meu gesto impensado. Como é mesmo o teu nome?
- Luiz Sérgio – falei, estendendo minha mão em
sinal de sincera amizade.
- Luiz Sérgio, não sei por que não existe na
Terra campanhas de esclarecimento sobre o suicídio.
Fala-se tanto em aborto, em assassinato, em
furto, mas ninguém se lembra de alertar sobre o pior dos crimes. Vamos até o
jardim, sinto-me ainda muito cansada, lá saberás tudo.
Bem alojados sob um belo caramanchão florido,
esperei pacientemente que ela iniciasse o relato:
- Tinha eu quinze anos quando conheci
Alexandre. Foi amor à primeira vista: apaixonamo-nos, um pelo outro.
Inebriante, entregamo-nos intimamente e, quando percebi, eu não era mais a
querida namorada e sim a mulher da qual ele vinha se cansando. Fui ficando
ciumenta, desesperada, insegura, e as minhas reclamações o cansavam cada vez
mais. Um dia ameacei-o de contar tudo a meu pai. Olhando- me firmemente,
redarguiu: “Não foste forte e cuca livre para assumir um caso? Então, tem agora
dignidade pra compreender que tudo acabou. Foi belo enquanto durou”. Nem podes,
Luiz, imaginar o que me aconteceu.
Ele tinha razão: eu não estava preparada para
uma entrega tão íntima. Qualquer mulher, quando chega a uma situação como essa,
precisa estar despojada de preconceitos e eu sempre sonhara entrar de braços
dados com meu pai em uma igreja florida e o meu príncipe me esperando no altar
com o olhar de homem apaixonado.
- Então, por que você iniciou essa
aventura?
- Paixão e falta de coragem para negar.
- Mas hoje, Lucy, as menininhas estão indo
nessa e, muitas se casando apenas por casar. Nem sempre a orientação sobre
liberdade é a correta e assim vários jovens estão se vendo presos em uma rede
de remorsos. Mas e depois? Conte minha irmã, eu a interrompi.
- Alexandre começou a me evitar. Bastava eu
chegar onde ele estivesse, para que se retirasse. Um dia fui procurá-lo em sua
casa e lá encontrei uma jovem de minha idade, que me foi apresentada como sua
noiva. Abafei um grito em meu peito, tal a minha dor. Quando de lá saí, só
desejava morrer. Chegando a casa, tomei a decisão e saltei, à procura da morte.
Mas ela não existe e me vi estirada, toda moída, lá no asfalto. Perdi a noção
do tempo; lembro-me apenas que uma velhinha sempre ficava ao meu lado, dando-me
forca através da prece: era minha avozinha. Muitas vezes desejei levantar, mas
podes imaginar alguém todo quebrado? Assim era a minha realidade. Pensei
demais, ate que um dia minha avó ajudou-me a me erguer e, com dificuldade,
conseguimos dali sair, chegando até um centro espírita. Graças às preces aos
suicidas, recebemos um cartão que nos permitia um tratamento na própria casa. O
meu sofrimento só cessaria quando eu tivesse setenta e cinco anos, época em que
estava programado o meu desencarne natural.
- Irmã, por que tudo isso? Temos presenciado
suicidas já conscientes, que não padeceram tanto.
- Luiz, muitos aprenderam a desencarnar, e
depois, cada caso é um caso.
- E daí, Lucy? Pode continuar...
- Sim, faz-me muito bem recordar,
principalmente os tratamentos nos grupos especializados. Ah, isso é ótimo!
Gostaria de relatar. Éramos levados até o grupo mediúnico, pois que internados
nos encontrávamos naquele Centro. Quando entrávamos na sala, muitos sentiam o
odor forte, nós, principalmente, éramos atormentados com o cheiro dos nossos
próprios corpos putrificados e, muitas vezes, tínhamos a impressão de que os
vermes nos corroíam. O grupo mediúnico que prestava auxilio era composto de
pessoas muito equilibradas, já que nós nos perdêramos por fraqueza. Não podes imaginar o alivio que
experimentava o espírito de um suicida ao contato com um médium amoroso. Quando o mentor nos aproximava do médium,
era como se o nosso espírito adormecesse, anestesiado pelos fluídos bons do
encarnado, afastando-se de nós aquela desagradável sensação que vínhamos
experimentando desde o instante do ato impensado. Muitos choravam quando eram
retirados de juntos do médium; era como se nos tirassem o oxigênio. Luiz Sérgio
existe tão poucos grupos que prestam ajuda aos suicidas! Para esses grupos,
não são necessários médiuns de psicofônia, pois muitas vezes o suicida não
deseja falar, almeja, apenas, deixar de sentir o desespero. Enganam-se aqueles
que organizam grupo de auxílio ao suicida, somente com os chamados médiuns de
incorporação. Os encarregados devem aproveitar aqueles que são ótimos
auxiliares do Cristo, mas ainda esquecidos na Doutrina – os médiuns doadores. Só o contato do doente com um médium
equilibrado já o beneficia. E ali, Luiz Sérgio, permaneci muitos meses, até
que um dia fui trazida até aqui, onde já me sinto curada. Sei, entretanto, que
levarei de volta, quando reencarnar, um corpo doente, porque eu mesma o destruí
e só o meu coração regenerado poderá curar-me.
Esforçava-se para não chorar. Segurei a mão de
Lucy e, com os olhos orvalhados de lágrimas, falei-lhe:
- Minha querida irmã, jamais a esquecerei;
sempre que eu puder, virei revê-la. Você representa também para mim uma mão
estendida. Mão esta que precisou ser marcada pela dor, para voltar à vida.
- Obrigada, Luiz Sérgio, fico contente por
ter-te conhecido. És muito bacana; a tua alegria me fez lembrar o passado,
quando eu sonhava em ser feliz.
- Sonhava não, Lucy, sonha, porque como diz
Ocaj: “Não assassinemos as nossas realidades para não distanciarmos nossos
sonhos”.
Ela me fitou e pela primeira vez vi a esperança
naqueles belos olhos azuis. Apertando bem forte sua mão, despedi-me. Caminhei,
pensando: “Deus, como sois poderoso em tão bem nos compreender. Se hoje
nada desejamos, amanhã, em busca de algo nos encontraremos e assim, Pai, ides
compreendendo as nossas fraquezas e não nos ofertando por ofertar e sim, quando,
quando já adultos, soubermos o que desejamos. Hoje, Senhor, peço-Vos por todos
aqueles que vivem duras e cruéis realidades e estão em vias de deixar tudo para
trás através do suicídio. Fortalecei, Senhor, os Seus protetores para que
possam segurar bem firme essas almas em desespero”.
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